A quaresma recorda-nos os quarenta dias que Jesus passou no deserto, enfrentando o demônio e suas artimanhas. Este foi um tempo misterioso e simbólico da vida de Jesus no qual ele se preparou na provação e decisão para ser fiel a Deus. Neste período a Igreja nos convida à revisão de vida, à penitência e tomada de decisões libertadoras para cada um e para toda a sociedade.Precisamos parar e refletir, fazer um discernimento neste momento de tantos fatos que são verdadeiras tragédias nacionais: é o desastre de Brumadinho, precedido do anterior em Mariana, assassinatos na Catedral de Campinas e agora na escola em Suzano, onde dois jovens assassinaram seus colegas. Aqui no Grande ABC, dias de enchentes e inundações que se repetem e que fora os danos materiais, ceifaram a vida de quatro pessoas soterradas em Ribeirão Pires, duas em Santo André, uma em São Caetano do Sul e outra em São Bernardo do Campo, afogadas.
Neste momento de dor e tristeza, a solidariedade deve ser multiplicada para amenizar a tragédia. Tragédia que se desenvolve em meio à situação nacional preocupante no sentido de se projetarem muitas mudanças, mas no fundo, sem querer ser pessimista, como dizia o escritor Leopardi no famoso romance “O Leopardo”: …se quiser que fique como está é preciso mudar tudo…”. É o que vemos em nosso país, muitos projetos de leis e mudanças, mas todos os anos as mesmas tragédias se repetem. E assim vamos de tragédia em tragédia…
A Palavra de Deus nos exorta neste período quaresmal a ouvir o convite de Deus: “Voltai para mim com todo vosso coração” (Jl 2,12). É preciso uma conversão do coração a nível pessoal e social. Tem que brotar do íntimo de cada um, a decisão de mudar o rumo de nossa sociedade, centralizada na ganância e sede de poder. O profeta Isaías mostra a verdade de Deus: “Serás libertado pelo direito e pela justiça”(Is 1,27).
Segundo a Palavra de Deus, nossa realidade marcada por tragédias, tem solução, tem saída, mas é necessário conversão, ou seja, uma mudança de rumos. E como esta conversão não é só pessoal e intimista, mas tem também seu aspecto social, somos convocados com um chamado a combater o pecado social nas suas múltiplas formas.
Todos os anos a Conferência Episcopal dos Bispos do Brasil (CNBB) apresenta a Campanha da Fraternidade como caminho de conversão pessoal e social, comunitário, que possa visibilizar a salvação, a presença paterna e cuidadora de Deus em meio a seu povo. Deus é Pai e cuida de nós, mas Ele quer a colaboração de todos para a construção de uma sociedade justa e fraterna. Por isso Ele deu-nos a inteligência e os meios necessários para transformar nossa realidade.
A Campanha da Fraternidade deste ano tem como tema Fraternidade e Políticas Públicas. De fato, as políticas públicas em nosso meio são frágeis quando existem. Dificilmente são levadas a termo, não só por causa da corrupção, mas também por causa da incompetência e da luta pelo poder entre os partidos políticos. O que mais vemos é um partido que ganha a eleição deixar de lado projetos de quem perdeu. Mesmo sendo de interesse do povo, mas não é do interesse do partido.
Esta CF/2019 busca estimular a participação da população em Políticas Públicas, à luz da Palavra de Deus e da Doutrina Social da Igreja. Nossa Constituição possibilita a participação da população na formulação de Políticas públicas através de Conselhos Deliberativos que foram propostos em quatro áreas: Crianças e Adolescentes, Saúde, Assistência Social e Educação. É preciso exigir ética na formulação e concretização das Políticas Públicas.
Deus nos ajude a vencer a improvisação, que marca a gestão em muitas áreas da administração pública, levando-nos de tragédia em tragédia ao conformismo, inculcado muitas vezes por gestores públicos despreparados, até mesmo para dar desculpas que justifiquem a falta de Políticas Públicas eficientes: “este ano as chuvas foram demais, além do normal…por isso a tragédia que vivemos (todos os anos) foi excepcional”!
*Artigo desenvolvido por Dom Pedro Carlos Cipollini, bispo diocesano de Santo André